Para assinalar o Dia Mundial do Cérebro, comemorado a 22 de Julho, a Sociedade Portuguesa de Neurologia junta-se à World Federation of Neurology (Federação Mundial de Neurologia) e à World Stroke Organisation (Organização Mundial do AVC), a fim de aumentar a consciencialização em relação ao AVC.
Lisboa, Portugal, Julho 2017 – "O AVC é a epidemia do século XXI," afirma o Professor Raad Shakir, Presidente da World Federation of Neurology (WFN), ao explicar a decisão da organização em adoptar "O AVC é um ataque ao cérebro: Previna-o – trate-o" como lema para o Dia Mundial do Cérebro deste ano, celebrado em parceria com a World Stroke Organisation (WSO). O Dia Mundial do Cérebro foi lançado pela WFN em 2014 e é dedicado a um tópico diferente em cada ano. A Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN) junta-se a numerosas organizações por todo o Mundo para apoiar esta campanha de consciencialização. "Queremos que esta iniciativa ajude a reduzir o número de mortes e incapacidade causada pelo AVC" diz o Professor Shakir.
No Mundo 16 a 17 milhões de pessoas sofrem um AVC anualmente, 6 milhões das quais não sobrevivem. Em Portugal, o AVC é a principal causa de morte a seguir ao cancro, e a principal causa de incapacidade permanente. Três portugueses por hora sofrem um AVC, num total anual de 2 habitantes por cada mil.
Em face da crescente importância do AVC para a carga global de doença, a Organização Mundial de Saúde mudou a sua posição e redefiniu o AVC na sua Classificação Internacional das Doenças (CID). "A categorização do AVC na CID-10 era inconsistente e antiquada", explica o Professor Bo Norrving, coordenador da Comissão de Política Global da WSO. "Por um lado o AVC estava listado na categoria de doenças cárdio-vasculares, mas os acidentes isquémicos transitórios estavam atribuídos às doenças do sistema nervoso e a doença cérebro-vascular assintomática era incluída na secção dos achados imagiológicos incidentais". A nova versão, CID-11, cuja aprovação pela Assembleia Geral da OMS é esperada no próximo ano, vai reflectir as recomendações de uma comissão consultiva de peritos e criará um grupo único de "doenças cérebro-vasculares" dentro da categoria de doenças do sistema nervoso, que incluirá todas as situações relevantes.
Este último avanço no processo da CID-11 assinala correctamente que o AVC é uma doença cerebral, contribuindo para o esclarecimento geral sobre esta doença e para a utilidade clínica da classificação. O AVC já não fica na sombra das doenças cárdio-vasculares e a sua situação como uma das doenças não transmissíveis mais importantes, que é passível de prevenção e tratamento, fica reforçada.
"Há poucas doenças para as quais as opções de tratamento melhoraram tão radicalmente ao longo da última década e meia", confirma o Professor Stephen Davis, anterior Presidente da WSO. "Até há pouco tempo éramos impotentes em relação ao AVC e pouco mais podíamos fazer do que aliviar algumas das suas consequências – mas hoje podemos finalmente dizer que o AVC é tratável".
O primeiro grande avanço surgiu há 15 anos atrás quando a trombólise intravenosa foi introduzida. Com este procedimento, os trombos nas artérias do cérebro que causam o AVC são dissolvidos através de medicação. O uso generalizado deste método salvou muitas vidas, mas também levou à enorme expansão da infra-estrutura neurológica e à criação de Unidades de AVC em muitos países. Só por si isto pode reduzir a mortalidade em 20% num ano.
Em cerca de 10% dos casos, as oclusões são tão grandes que a trombólise não funciona. No entanto, a trombectomia endovascular foi introduzida há alguns anos atrás para trazer uma opção precisamente para este tipo de casos. O procedimento envolve a remoção do trombo da artéria cerebral usando um catéter que se insere através da virilha. Recentemente, foram divulgados dados que mostram que mesmo os bloqueios com mais de 6 horas podem ser tratados com sucesso. Vários estudos internacionais mostraram que o tratamento endovascular representa um grande avanço em comparação com o tratamento apenas com medicação.
"Deve ser dada a máxima prioridade ao AVC, o seu tratamento e prevenção nas políticas de cuidados de saúde em todos os países," declara o Secretário-Geral da WFN Professor Wolfgang Grisold. "Como defensores dos doentes com AVC não nos cansaremos de pedir e promover uma distribuição justa de oportunidades de tratamento para todos os afectados. Mas, para que isto aconteça, todos os hospitais devem ter Unidades de AVC preparadas, e os meios para que haja tratamento básico com trombólise devem ser disponibilizados".
É muito importante consciencializar a população geral para os factores de risco mais comuns, em particular a hipertensão arterial, mas também para a detecção precoce e necessidade de tratamento adequado do AVC, não só na fase aguda como a longo prazo. Como a quantidade de vítimas de AVC que fica com incapacidade permanente ainda é elevada, as sociedades neurológicas e de AVC nacionais devem contribuir para estimular a criação de unidades de cuidados crónicos.
Uma grande proporção dos AVCs é evitável, de acordo com o estudo INTERSTROKE. "Dez factores de risco modificáveis são responsáveis por 91% dos AVCs no mundo," realça o Professor Michael Brainin, Presidente-Eleito da WSO. "Estes são a hipertensão arterial, inactividade física, colesterol elevado, má dieta, perímetro abdominal aumentado, factores psicossociais, Tabaco, consume exagerado de álcool, doença cardíaca e diabetes." Uma análise dos dados gerados no Global Burden of Disease Study, que inclui 188 países, chegou à mesma conclusão, realçando ainda o papel da poluição atmosférica como factor de risco adicional.
A tensão arterial elevada é o maior factor de risco para AVC, sendo responsável por quase 50% de todos os AVCs e também aumenta o risco de hemorragia intracerebral, que muitas vezes causa incapacidade particularmente grave. Existe potencial para acrescentar 100 milhões de anos livre de doença em todo o mundo apenas devido a estratégias de prevenção eficazes. Para além de realçarem o a necessidade do tratamento eficaz da diabetes, colesterol elevado e fibrilhação auricular, bem como prevenir a obesidade e promover a actividade física, os especialistas também pressionam para que rapidamente se introduza uma proibição global de fumar.
"Em conjunto com a prevenção também temos de promover a consciencialização sobre como detector e responder correctamente numa emergência", declara o Professor Mohammad Wasay, líder da Comissão de Consciencialização Pública da WFN, confirmando outro dos objectivos do Dia Mundial do Cérebro deste ano. Os especialistas pensam que 70% dos doentes não identifica os sintomas de acidente isquémico transitório – uma interrupção temporária do fluxo de sangue cerebral – e até de AVCs ligeiros. Mesmo quando os sintomas são identificados 1 em cada 3 pessoas não procura ajuda imediata. Reduzir o tempo entre os sintomas iniciais e o tratamento é um factor central para melhorar o resultado do tratamento, e pode poupar a muitos doentes uma vida inteira de incapacidade grave.
Para ajudar as pessoas sem formação médica a identificar os sintomas a WFN e a WSO chama a atenção para alguns aspectos simples que mostram como agir quando se suspeita de um AVC (os 3 "F"s):
A WFN e a WSO estão a organizar uma Conferência de Imprensa Webinar na Quinta-Feira 20 de Julho, às 12h00 UTC, ou 13h00 em Lisboa (para conversão horária ver https://www.timeanddate.com/).
A transmissão ao vivo deste evento pode ser encontrada em www.wfneurology.org/world-brain-day-2017. Após o webinar as apresentações e gravações das declarações também poderão ser encontradas neste endereço electrónico.
João Massano, Neurologista e Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia
massano.joao@gmail.com